BNDES reúne experiências de bancos de desenvolvimento no mundo para iniciar elaboração de sua estratégia de longo prazo
Seminário internacional reuniu funcionários do BNDES e executivos de bancos de desenvolvimento de vários países. Evento é o ponto de partida do ciclo de reflexão interna para estabelecer as diretrizes do BNDES até 2030
Ceyla Pazarbasioglu, diretora do Banco Mundial, e a presidente do BNDES, Maria Silvia Bastos Marques
Quatro meses após reformular profundamente suas políticas operacionais, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) inicia o processo de reflexão interna que vai levar à elaboração de uma estratégia de médio e longo prazo, com diretrizes até 2030. Até o fim do ano, um ciclo de discussões envolvendo o corpo técnico do Banco vai debater quais deverão ser o papel e a atuação do BNDES numa economia com baixas taxas de inflação e de juros. O primeiro passo foi a realização, na última sexta-feira (05/05) do seminário internacional “O papel dos bancos de desenvolvimento no presente e no futuro: experiências, oportunidades e desafios”, promovido em parceria com o Banco Mundial, que reuniu executivos de oito instituições internacionais de fomento e funcionários do BNDES, durante um dia inteiro. O evento também marcou o início de uma série de atividades em comemoração aos 65 anos do BNDES, que serão completados em junho.
Antes de iniciar o desenho de uma nova visão de futuro, o BNDES foi buscar, nas experiências de seus pares, elementos para a reflexão interna da instituição em meio às transformações econômicas e sociais em curso no Brasil e no mundo. Instituições multilaterais de fomento e bancos nacionais de desenvolvimento têm contribuído de forma marcante para o crescimento mundial desde a segunda metade do século 20. No entanto, o debate sobre o papel dessas organizações, em economias desenvolvidas ou em desenvolvimento, tem se intensificado desde os abalos sofridos pelo sistema financeiro internacional, com a crise desencadeada em 2008.
Como fomentar investimentos que compatibilizem crescimento econômico, distribuição de renda, desenvolvimento tecnológico, inclusão social e sustentabilidade ambiental, sem gerar distorções na economia? Como estabelecer uma relação complementar entre a atuação de instituições públicas de fomento e o mercado privado de capitais para viabilizar mais projetos de interesse da sociedade? Esses e outros desafios foram abordados no seminário em uma série de painéis e debates que tiveram a participação da alta administração do BNDES e de cerca de 350 empregados nas sessões abertas a todo o corpo funcional. Além de representantes do Banco Mundial, estiveram presentes executivos da Associação Latino-Americana de Instituições Financeiras (Alide) e das instituições de financiamento DBSA (África do Sul), KfW (Alemanha), Corfo (Chile), CDB (China), FDN (Colômbia), Nafin (México).
Mais com menos – A alocação mais eficiente de recursos cada vez mais escassos diante da crescente expectativa dos cidadãos por melhores serviços, empregos de qualidade e infraestrutura mostrou-se o principal desafio em comum. Executivos explicaram como suas instituições estão trocando o papel de mero financiador pelo de catalisador de investimentos, atuando como coordenadores da participação do mercado de capitais e de investidores institucionais no financiamento de projetos.
O presidente da FDN, Clemente del Valle, apresentou o exemplo da agência colombiana de fomento criada em 2011 para superar histórico déficit em infraestrutura de seu país. A partir de um capital de US$ 2 bilhões, conseguiu alavancar um pacote com investimento em infraestrutura quatro vezes maior, mobilizando investidores institucionais e atraindo a participação de bancos estrangeiros para as operações. Em outro exemplo, Luiz Felipe Oliva, representante da Corfo, mostrou dados de um programa de garantias para pequenas empresas da instituição de fomento chilena que, considerando seu poder de alavancagem, alcançou 5,0% do PIB do Chile. Em todas as instituições que fizeram apresentações existe apoio especial para micro, pequenas e médias empresas (MPMEs), segmento que mais gera empregos e tem mais dificuldades de acessar o crédito bancário.
Uma das saídas para a ampliação do acesso ao crédito é o uso de ferramentas e plataformas digitais, como é o caso da plataforma digital apresentada por Mario de la Vega, diretor da mexicana Nafin, que virtualmente transformou o banco de desenvolvimento em uma espécie de fintech. O representante do KfW, Wolfgang Reuβ, contou que tecnologias de integração de sistemas com agentes financeiros repassadores de crédito do banco de fomento alemão praticamente já tornaram realidade um sonho antigo: a conclusão de uma operação de crédito no tempo em que o cliente, ao ser atendido numa agência bancária, toma um cappuccino.
Infraestrutura – A infraestrutura teve destaque como uma importante vocação dos bancos de desenvolvimento e um desafio em todos os países, sobretudo no cenário de baixa capacidade de investimento público, devido às fortes externalidade dos investimentos. Os desafios vão além do financiamento, envolvendo questões regulatórias, dificuldades de estruturação de projetos, escassez de garantias e questões relativas à gestão de risco, sobretudo, em projetos greenfield. Geração de energia, saneamento básico, transportes e mobilidade urbana são investimentos que geram externalidades positivas nas dimensões econômica, social e ambiental, mas escapam da lógica econômico-financeira dos bancos convencionais por seu longo prazo de estruturação e, consequentemente, elevada incerteza. Os participantes do seminário pontuaram que bancos de desenvolvimento, além de financiarem diretamente a infraestrutura, podem contribuir com a estruturação de projetos e funcionar como “sinalizadores” para a atração de financiamentos privados, especialmente de investidores institucionais, como fundos de pensão e seguradoras.
Paul Currie, chefe da área de risco do DBSA (África do Sul), contou que o banco da África do Sul empreendeu uma forte reestruturação interna nos últimos anos para alavancar investimentos privados e coordenar interações entre diferentes esferas de governo. Ao financiar investimentos públicos, o banco foca no apoio a prefeituras para expandir redes de abastecimento de água, que têm grande impacto social.
A necessidade de apoiar projetos geradores de externalidades para toda a sociedade foi reforçada em todas as apresentações. Mesmo no caso de uma economia desenvolvida como a da Alemanha, há falhas de mercado a serem preenchidas pelas instituições de desenvolvimento. O representante do KfW deu como exemplo a atuação do banco no financiamento habitacional, com destaque para a sustentabilidade. Ele também citou o crédito à exportação como um elemento estratégico para a economia alemã. O KfW vem se especializando no apoio à exportação de aviões e transatlânticos e também tem atuado como braço da política externa alemã financiando a exportação de serviços com seguro de crédito envolvendo garantias do governo da Alemanha.
Educação – Outro destaque do seminário foi a necessidade de aprimorar mecanismos de avaliação do impacto da atuação dos bancos de desenvolvimento como forma de aperfeiçoar sua atuação, nem sempre fácil devido à dificuldade de estabelecer análises comparativas com contrafactual. Os participantes concordaram ainda que as instituições precisam olhar para a educação como um importante componente de investimento para o desenvolvimento dos países, uma vez que o capital humano é essencial para o avanço da produtividade nas economias. Programas de crédito universitário e de infraestrutura escolar foram destacados pelos representantes de KfW, Nafin, Corfo e do China Development Bank (CDB).
O banco de desenvolvimento chinês também chamou a atenção para a cooperação entre bancos de desenvolvimento de vários países, citando suas linhas de crédito para outras instituições do Sudeste Asiático ou associações com elas em operações de cofinanciamento de projetos, além do intercâmbio de informações. Na América Latina e Caribe, a Alide se destaca por seu papel de intercâmbio de informações e programas de treinamento oferecidos.
Para a presidente do BNDES, Maria Silvia Bastos Marques, o seminário foi um exemplo do valor da troca de experiências entre os bancos de desenvolvimento. “Tivemos aqui experiências incríveis relatadas. Fiquei feliz de ver que nós estamos, de alguma forma, endereçando todos esses temas aqui no BNDES”, afirmou Maria Silvia, que acompanhou todos os debates e encerrou o evento ao lado de Ceyla Pazarbasioglu, diretora do Banco Mundial. “Estamos agradecidos de ter todas essas instituições aqui para nos ajudar a enfrentar os desafios do futuro. O BNDES exerce um papel-chave na economia brasileira e por isso precisa se ajustar nesse ambiente de mudanças rápidas não só no Brasil, mas no mundo. É muito importante essa discussão para que o Banco possa se reposicionar, repensar o seu papel, seus instrumentos e sua forma de atuação, buscando sempre dar a máxima contribuição para o desenvolvimento sustentável de nosso país”.