Sistemas Agrícolas Tradicionais (SAT)
Os Sistemas Agrícolas Tradicionais (SAT) podem ser definidos como um conjunto de saberes, mitos, formas de organização social, práticas, produtos, técnicas/artefatos e outras manifestações que compõem sistemas culturais manejados por povos e comunidades tradicionais. As dinâmicas de produção e reprodução dos vários domínios da vida social que ocorrem nesses sistemas, por meio das vivências e experiências históricas, orientam também processos de construção de identidades e contribuem para a conservação da biodiversidade. Podem, assim, ser reconhecidas como patrimônio cultural imaterial brasileiro.
A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO/ONU) considera esses sistemas um tipo específico de patrimônio, que combina biodiversidade agrícola, ecossistemas resilientes e valiosa herança cultural, contribuindo para a segurança alimentar e a sobrevivência de pequenos produtores agrícolas. O órgão confere o título de Globally Important Agricultural Heritage System (GIAHS) a sistemas ao redor do mundo que se enquadram nessa definição, apoiando sua salvaguarda e conservação dinâmica.
Atualmente, 50 sistemas agrícolas históricos de 20 países já foram reconhecidos pela FAO como GIAHS, embora nenhum deles no Brasil. Em âmbito nacional, o Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro é o único do tipo já reconhecido como patrimônio cultural imaterial pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o que ocorreu em 2010.
O Prêmio BNDES de Boas Práticas para Sistemas Agrícolas Tradicionais, fruto de uma parceria entre o BNDES, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o Iphan e a FAO, visa mapear os SATs existentes no país e dar visibilidade à importância das boas práticas atreladas a esses sistemas para a sustentabilidade ambiental e para a sobrevivência social e econômica dos grupos que delas se utilizam. A iniciativa busca ainda gerar subsídios para a implantação dos GIAHS no país.
O resultado final do Prêmio, divulgado em maio de 2018, contemplou 15 SATs – confira aqui a lista completa. Além das premiações em recursos financeiros, os vencedores contarão com uma capacitação sobre as políticas públicas nacionais e internacionais relacionadas ao tema, especialmente sobre políticas patrimoniais do Iphan (Patrimônio Imaterial) e da FAO. Eles receberão ainda orientações para se candidatarem ao título de GIAHS.
Saiba mais sobre os cinco primeiros colocados:
1. Protagonismo das mulheres de fibra do Médio Mearim - Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais – AMTR (Lago do Junco – MA)
As quebradeiras de coco babaçu têm uma grande importância histórica, econômica, social, política, ambiental e cultural na preservação da "região dos babaçuais", que se estende pelos estados do Maranhão, Piauí e Pará. Elas representam um grupo de mais de 300 mil mulheres que exercem a atividade de extrativismo do coco babaçu e dependem dela como sua principal fonte de renda. Da árvore do babaçu, extraem as palhas das folhas para produzir cestos, a casca do coco para fazer carvão e a castanha para transformar em azeite e sabão.
O extrativismo do coco babaçu é, portanto, elemento fundamental para fortalecer a identidade coletiva dessas mulheres como povo tradicional e a luta pelo seu direito a terra, território e acesso aos recursos naturais. A atividade é constantemente ameaçada pela expansão do agronegócio, que restringe o acesso das quebradeiras à região de predominância dos babaçuais, e pelas dificuldades relacionadas à comercialização dos produtos oriundos do babaçu.
2. A Autodemarcação e Gestão do Território Tradicional dos Vazanteiros de Pau Preto - Associação dos Produtores Rurais de Vereda (Matias Cardoso – MG)
O Sistema Agrícola Vazanteiro está associado às dinâmicas do rio São Francisco que, com seus ciclos de cheias e secas, conformam a territorialidade das comunidades vazanteiras. Essas comunidades remontam aos povos indígenas e a seus modos de usar e se relacionar com o rio. Deles, herdaram o transporte em canoas, a pesca e a lavoura de vazante (nome dado ao período seguinte às cheias, onde por falta da chuva frequente, o nível dos rios tendem a diminuir). Por meio dessas estratégias, as comunidades vazanteiras conseguem produzir quase durante todo o ano, funcionando como pequenos oásis em meio à vastidão das caatingas e dos cerrados.
3. Feira de Troca de Sementes e Mudas das Comunidades Quilombolas do Vale do Ribeira - Associação dos Remanescentes de Quilombo de São Pedro (Eldorado – SP)
O Sistema Agrícola Quilombola do Vale do Ribeira (SATQ) está situado na região conhecida como Vale do Ribeira, que interliga o sudoeste do estado de São Paulo e o sudeste do estado do Paraná. Reconhecido em 1992 pela UNESCO como Reserva da Biosfera e Patrimônio Natural da Humanidade, o Vale do Ribeira é a maior e mais importante área de Mata Atlântica no Brasil. A história de sua ocupação territorial se confunde com a história de formação das comunidades negras na região, que foi determinante para a atual configuração socioambiental e cultural do Vale.
O SATQ articula áreas de roças individuais e coletivas, quintais e manejo de áreas florestais. Os principais produtos agrícolas manejados englobam 12 variedades de milho, 22 de mandioca, 23 de arroz e 21 de feijão, além de uma diversidade de cultivos de cana de açúcar, cará, inhame e batata-doce. Esses produtos compõem a base da cultura alimentar das comunidades quilombolas e geram recursos para composição de sua renda, por meio da comercialização dos excedentes pela Cooperativa dos Agricultores Quilombolas do Vale do Ribeira.
Há dez anos as associações quilombolas da região organizam uma feira de sementes que propicia a troca de saberes e o diálogo entre as comunidades, os parceiros institucionais e a sociedade. A iniciativa envolve um intenso trabalho de fortalecimento e valorização da agrobiodiversidade, favorecendo a organização comunitária e o reconhecimento das práticas e técnicas tradicionais – mutirões, discussões para a proposição de políticas ambientais e consolidação de paióis de sementes com intuito de armazenar a diversidade de materiais genéticos selecionados pelas comunidades ano após ano.
4. Feira da Mandioca de Imbituba - Associação Comunitária Rural de Imbituba – ACORDI (Imbituba-SC)
A Feira da Mandioca de Imbituba vem sendo realizada anualmente, desde 2004, no dia 24 de junho, coincidindo com o dia de São João e com o aniversário de fundação da entidade organizadora, a ACORDI. A Feira tem como propósito dar visibilidade à produção de farinha de mandioca dos Agricultores e Pescadores Tradicionais dos Areais da Ribanceira. Formado por descendentes de açorianos, esse grupo social manteve-se no território ao longo das gerações graças ao sistema de uso comum tradicional, cujo manejo envolve principalmente cultivo de mandioca, extrativismo vegetal (butiá) e pesca artesanal.
Ao longo das suas edições, a Feira vem atraindo milhares de visitantes, contribuindo para um amplo debate com a sociedade sobre desenvolvimento sustentável, principalmente no que diz respeito ao meio ambiente, à cultura, ao trabalho e à luta desenvolvida para manter o território dos Areais da Ribanceira. O evento resgata também outros patrimônios da cultura açoriana, como sua rica culinária, seu artesanato, sua música e sua dança.
5. Recaatingamento - Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada - IRPAA (Pilão Arcado, Campo Alegre de Lourdes, Canudos, Casa Nova, Remanso, Curaçá, Sento Sé, Uauá, Sobradinho, Juazeiro, todos municípios do estado da Bahia - BA)
As comunidades tradicionais de fundo de pasto são conhecidas como as guardiãs da caatinga, já que as áreas mais preservadas desse ecossistema no semiárido baiano estão sob seus cuidados.
Surgiu dessas comunidades a preocupação com a recuperação e conservação da caatinga, a partir da percepção das mulheres que vivem na região de que já não se encontravam umbuzeiros jovens nesses locais. Por meio da parceria com o IRPAA, essas comunidades se articularam para pensar uma proposta de recuperar e conservar a caatinga sem ter que extinguir a prática da criação de cabras e ovelhas, que representa sua principal fonte de renda e constitui a atividade mais adaptada ao Semiárido, em conjunto com o extrativismo não madeireiro.