Empreendedorismo e financiamento público colocam Brasil na liderança em nova tecnologia de energia solar
Publicado em 02.02.2018
Leve, flexível e transparente, o filme fotovoltaico orgânico é desdobramento de pesquisa que revelou que o plástico pode conduzir eletricidade. Foto: João Paulo / divulgação Sunew.
O Brasil é hoje um dos poucos países que detém o know how da produção em larga escala do chamado filme fotovoltaico orgânico, ou OPV, do inglês organic photovoltaics, considerado a próxima geração tecnológica em energia solar, por reunir qualidades como flexibilidade, leveza e transparência, permitindo aplicações que não são possíveis para as tecnologias tradicionais.
Hoje comercializado pela Sunew, empresa brasileira que tem a BNDESPAR como sócia, o OPV é um assunto acompanhado há bastante tempo pelo BNDES, que apoiou os primeiros passos dessa tecnologia no país. Essa história começa quando um grupo de empreendedores procura o Banco para apresentar o Csem Brasil, centro de pesquisa aplicada localizado em Minas Gerais, que viria a receber apoio do BNDES Funtec.
“Onde no Brasil a gente conseguia falar, há mais ou menos uma década, sobre nanotecnologia, sob uma perspectiva de negócios? Não existia instituição em toda a economia, privada ou pública, que nos entendesse. O BNDES foi o único lugar em que a gente conseguiu encontrar pessoas que já conheciam o tema, que tinham lido sobre eletrônica impressa e sobre geração solar fotovoltaica impressa e entenderam nossa proposta”.
David Travesso costuma frisar a importância desse contato inicial com o BNDES quando conta como a empresa de que é sócio, a Fir Capital, gestora de fundos de investimentos, apostou em OPV e criou o Csem Brasil e, posteriormente, a Sunew.
Plástico que conduz eletricidade
Com uma aparência que lembra os filmes das antigas máquinas fotográficas analógicas, o filme fotovoltaico orgânico é um dos vários desdobramentos de uma descoberta que rendeu o prêmio Nobel de Química de 2000 a dois pesquisadores americanos e um japonês.
Em pesquisas realizadas na década de 70, eles descobriram que não só os metais, mas também o plástico, após certas modificações, pode conduzir eletricidade. Assim, tornou-se possível produzir sinteticamente materiais orgânicos condutores e semicondutores, ainda com uma vantagem adicional: esse processo de manufatura tem baixo custo, podendo ser viabilizado usando impressoras semelhantes às “jato de tinta” ou às “offsets”.
Passou a ser possível imprimir, por exemplo, circuitos eletrônicos ou células fotovoltaicas, usando ‘tinta’ formada por polímeros orgânicos – as moléculas de carbono que formam o plástico e outros materiais. O resultado é uma substância solúvel capaz de conduzir corrente elétrica, propriedade antes só encontrada nos metais, que pode ser impressa em diversos tipos de superfícies, inclusive filmes plásticos – como no caso do OPV, um produto flexível, leve e transparente que pode se moldar aos locais onde é aplicado.
Último grande país em extensão geográfica sem geração solar instalada, o Brasil era um lugar propício para o desenvolvimento dessa tecnologia, segundo avaliou a Fir. Outros países já haviam feito grandes investimentos na tecnologia tradicional de geração solar, com base em silício, um semicondutor inorgânico. As instalações realizadas ainda tinham vida útil de até 30 anos, o que diminuía o apetite para apostas em inovações.
De olho nessa e noutras oportunidades, a Fir Capital criou em 2006 o Csem Brasil, centro de pesquisas aplicadas que, embora seja nacional, foi concebido com auxílio de uma instituição suíça, o Centre Suisse d'Electronique et de Microtechnique (Csem). O parceiro europeu inspirou o modelo de atuação do Csem Brasil e ainda hoje possui assento em seu conselho.
Do laboratório à fábrica
“O nosso foco foi cobrir o ponto da cadeia de valor que a gente chama de ponto de controle, que, nesse caso, é a capacidade produtiva. O objetivo do Csem Brasil foi fazer a pesquisa científica capaz de desenvolver processos e equipamentos com eficiência de produção industrial. Não existiam indústrias, máquinas de OPV. Havia professores fazendo OPV em pequena escala. Nós desenvolvemos todas as etapas para levar essa tecnologia from lab to fab”, conta Tiago Alves, que atualmente é sócio da Fir Capital, CEO da Sunew e membro do conselho do Csem Brasil.
Para levar a tecnologia do laboratório à fábrica, o Csem Brasil começou trabalhando numa máquina offset de impressão em tecidos, de cerca de 3m x 1m, que já permitiria a reprodução de um processo industrial, em velocidade e escala reduzidas de produção.
Com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), de R$ 7 milhões, foi possível reunir uma equipe de especialistas de diferentes nacionalidades que pesquisou as melhores combinações entre as diversas variáveis de produção, ao mesmo tempo em que fez uma série de adaptações no equipamento.
“Essa máquina tinha que ser modificada e, para isso, precisávamos de especialistas. Fomos buscar as pessoas que estavam trabalhando com OPV, na academia ou em empresas, em todas as partes do mundo onde a gente sabia que havia algum movimento nesse sentido: China, Estados Unidos, Colômbia, Alemanha, etc”.
David narra esses primeiros momentos chamando atenção para o fato de que só foi possível atrair esses especialistas para trabalhar e morar no Brasil porque o Csem Brasil os convidou para participar de um projeto que cobria todas as etapas de pesquisa necessárias para levar a tecnologia a mercado.
Crise de 2008
Essa equipe acabou sendo fortalecida após a crise de 2008, que provocou a falência da Konarka, uma empresa criada para atuar em OPV – parceria entre a Kodak, o ganhador do prêmio Nobel Alan Heegel e grandes empresas de petróleo, na época interessadas em expandir seus negócios para o setor de energias renováveis. Com a crise, as companhias de petróleo retiraram apoio financeiro ao projeto, motivo pelo qual ele foi descontinuado.
“Eles quebraram da noite para o dia e a equipe de tecnologia deles ficou abandonada”, explica David. “Estamos falando de tecnologia de processo. É como uma receita de bolo, com muitas variáveis de controle. Nós conseguimos atrair o pessoal que trabalhava na cozinha dessa empresa.”
O conhecimento desenvolvido permitiu dar início ao projeto de uma máquina inteiramente nova, para produção em escala maior. Mas era necessário mais investimento para torná-la realidade.
Financiamento para alcançar a vanguarda tecnológica
"Desenvolvimento econômico não pode prescindir de desenvolvimento tecnológico”, afirma Rodrigo Pedrosa, profissional do BNDES que participou da operação de apoio ao Csem Brasil. Criado em 2006, o BNDES Funtec era, conforme explica Pedrosa, o instrumento financeiro ideal para apoio à iniciativa: um fundo com recursos exclusivamente dedicados a projetos de pesquisa para introdução de inovações no mercado e, não menos importante, nos quais empresas brasileiras possam vir a assumir papel de destaque ou mesmo de liderança no plano mundial.
O BNDES aportou no projeto R$ 32,3 milhões, recursos não reembolsáveis do BNDES Funtec. O engenheiro Rafael Ferraz, responsável pelo acompanhamento do apoio ao Csem Brasil, complementa Pedrosa. “Esse é um funding destinado a iniciativas de maior risco, com uma preocupação que vai além do financiamento. O foco é induzir projetos de vanguarda, assumindo uma visão de desenvolvedor.”
Composta por cinco estações de impressão, a máquina criada pelo Csem Brasil tem mais de 35 m de comprimento, e está instalada numa área de 882 m2, dos quais 380m2 são de sala limpa, ambiente controlado para impedir contato com partículas presentes no ar que podem comprometer o resultado final.
Os recursos do Banco também foram usados em treinamentos da equipe e em pesquisas com a máquina-piloto, que é usada até hoje pelo Csem Brasil para seguir avançando nos estudos do OPV e para definir os parâmetros de impressão da máquina maior.
Esse equipamento novo foi produzido, em sua maior parte, por uma empresa alemã, a partir de projeto do Csem Brasil. “A gente comprou pedaços do equipamento e montou o todo aqui. Se alguém quiser copiar o que a gente tem, não consegue. Nem a fabricante conhece o equipamento completo”, detalha Tiago. Os fornecedores dos insumos, empresas como a Merck, a Mitsubishi e a Sumitomo, também não dominam o know how de produção da membrana fotovoltaica.
“Eles fornecem os polímeros, mas eles não sabem fazer o OPV. A produção é feita seguindo, literalmente, centenas de parâmetros, como espessura das diferentes camadas da membrana, velocidade de deposição de cada ‘tinta’, temperatura de secagem, tempo de secagem, alinhamento da máquina. A descrição científica da membrana solar é um sistema complexo. É quase um organismo”, explica Tiago.
Do apoio não reembolsável à participação acionária
A Sunew foi a spin-off ou, traduzindo para o português, a empresa ‘derivada’, criada a partir dos trabalhos do Csem Brasil para comercializar o produto desenvolvido. Inovador, o apoio via BNDES Funtec já previa que, na hipótese de sucesso no desenvolvimento do OPV, a BNDESPAR, braço de participações do Banco, poderia participar, como acionista, do novo negócio.
O engenheiro do BNDES Guilherme Quental foi um dos responsáveis pela estruturação da sociedade, na qual a BNDESPAR tem hoje 25% de participação. Ele conta que “diferentemente de outros projetos apoiados pelo BNDES Funtec, o OPV do Csem Brasil não possuía, no momento da contratação do apoio, uma empresa responsável por levar a inovação a mercado, o que chamamos de empresa interveniente. Sendo assim, caso bem sucedido o projeto, a tecnologia seria explorada comercialmente pelo próprio Csem Brasil ou por uma spin-off criada com essa finalidade. Para ambas as hipóteses, foi previsto que o BNDES, como principal apoiador do projeto, teria direito à participação nos resultados”.
União entre design e sustentabilidade
Vivendo seus primeiros momentos de desenvolvimento, o OPV ainda é mais caro e menos eficiente que as placas solares com membranas fotovoltaicas de silício – tecnologia que nasce nos anos 50. Mas a nova tecnologia já atrai empresas interessadas em reduzir sua pegada de carbono, que não têm espaço físico adequado para instalação das robustas placas tradicionais.
Além disso, o OPV tem produção mais limpa e abre possibilidades do ponto de vista do design, por ser transparente, fino e flexível. Uma árvore, com “folhas” curvas revestidas por OPV, foi instalada pela Sunew no último Rock in Rio para fornecer energia a quem quisesse carregar os celulares – um exemplo de aplicação customizada.
Paulo Fernando da Silva, contador do BNDES, acompanha a participação acionária da BNDESPAR na Sunew e é representante suplente do BNDES no conselho de administração da companhia. “Com um pipeline (vendas em negociação) girando em torno de R$ 50 milhões, ela já conseguiu dois importantes contratos comerciais. O primeiro foi em 2016, com um volume de 80 m2 de OPV na fachada de um edifício da Totvs, considerado pela administração da empresa como a maior venda de OPV em nível mundial. O segundo foi fechado recentemente, em dezembro de 2017, com a Hyundai Caoa, também para aplicação em fachada de edifício, mas agora com um volume significativamente maior, da ordem de 500 m2 de OPV, sendo que para 2018 as perspectivas de vendas são ainda melhores”, descreve. Marcos Aurélio do Nascimento de Lima, conselheiro titular do BNDES, ressalta que “a companhia está capitalizada e tem hoje capacidade instalada para produção de 400 mil m2 de OPV por ano”.
Embora o retorno financeiro não tenha sido o foco do apoio, a engenheira Juliana Pradel ressalta que “o BNDES exerceu o direito de participar da empresa que foi criada, o que é um retorno para o Banco e demonstra que os projetos apoiados pelo BNDES Funtec podem repercutir em desenvolvimento de valor para o BNDES.”
Futuro
Enquanto a equipe do Csem Brasil continua debruçada nas pesquisas em OPV e a Sunew vai acumulando clientes comprometidos com sustentabilidade, David Travesso, sócio da Fir Capital, diretor do Csem Brasil e presidente do conselho da Sunew, está preocupado em trazer mais empresas brasileiras para o negócio, em outras posições nessa cadeia produtiva, oportunidade de desenvolvimento para o país que a equipe do BNDES identificou desde o início do apoio.
“Começamos a trabalhar numa tecnologia disruptiva. Estamos falando de uma cadeia de valor inexistente. É um produto que é feito com insumos do Japão, Canadá, França, Holanda, Estados Unidos. Em certo sentido, estamos como a Embraer quando começou: no Brasil, mas usando insumos e componentes de fora. A gente tem que estudar o que pode ser produzido por indústria brasileira de química, farmacêutica. Essa cadeia de fornecedores vai ter sucesso. Será que a gente vai conseguir que algumas empresas e empresários daqui participem do negócio?”, conclui David Travesso.